segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Moedas desaparecidas - Dobras e Torneses de D. Pedro I

Dobra
Valor: 4 libras e 2 soldos ou 82 soldos
Metal: ouro – 24 quilates – 999,9 º/oo
Peso: 92 8/50 grãos - 4,59 g
Diâmetro: n/d

A/: + PETRVS:REX:PORTVGAL:ALGARB – Pedro, Rei de Portugal e do Algarve. Apresenta o rei, com barba e coroado, sentado no trono e empunhando, com a mão direita, uma espada erguida. No exergo, entre dois aneletes, a marca monetária L, da Casa da Moeda de Lisboa.

R/: + DOMINVS:MICHI:ADIVTOR:ET:EGO:DI: - : SPICIAM:INIMICOS.MEOS: - Deus ajuda-me e faz-me ter em pouco os meus inimigos – apresenta, no centro do campo, as cinco quinas e, no quadrante superior esquerdo, um sinal oculto.

Meia dobra ou dobra pequena
Valor: 2 libras e 1 soldo ou 41 soldos
Metal: ouro – 24 quilates – 999,9 º/oo
Peso: 2,295 g
Diâmetro: n/d

A/: idêntico à dobra
R/: idêntico à dobra.

Tornês
Valor: 7 soldos
Metal: prata 24 quilates 999,9 º/oo
Peso: 3,53 g
Diâmetro: n/d

A/: apresenta a efígie do rei com barbas grandes e coroado
R/: apresenta as quinas

Meio tornês
Valor: 3 ½ soldos
Metal: prata 24 quilates 999,9 º/oo
Peso: 1,76 g
Diâmetro: n/d

A/: idêntico ao tornês
R/: idêntico ao tornês

Segundo o cronista Fernão Lopes, a numária de D. Pedro I (1357-1367) foi mais rica do que aquilo que chegou até nós. De acordo com o conhecimento actual, apenas dinheiros foram cunhados neste reinado. Contudo, conforme o relato do cronista, D. Pedro I mandou cunhar outros espécimes numismáticos: as dobras e meias dobras de ouro e os torneses e os meios torneses de prata. Nenhuma destas moedas chegou até aos nossos dias e não podemos, portanto, usufruir da sua riqueza numismática.

Dos quatro exemplares apenas se conhece a ilustração da dobra de D. Pedro I, acima reproduzida, que vem desenhada na Numismática de Toro (Dicionário de Numismática Portuguesa, por José do Amaral Toro e Tito de Noronha, Porto, 1872-1884 – publicação em 10 cadernetas). Não se conhece nenhuma imagem anterior a esta data nem qual a sua origem.

A propósito desta moeda, afirma ainda Vaz (1960), que no dicionário “nenhuma referência aí se faz ao seu feliz possuidor nem se fornecem outros pormenores, o que é de estranhar tratando-se de numisma de tão alta categoria, quando é certo que outros de somenos importância são exuberantemente determinados.”

Por outro lado, Aragão (1875, p.175) diz, em nota de rodapé, que “No Gabinete de numismática de Conpenhague existe um ensaio em cobre, de cuja autenticidade muito duvidamos; difere do tipo e legendas da dobra citada por Fernão Lopes e das de D. Pedro I de Castela. Provavelmente alguma contrafacção do mesmo tempo e fabrica das que deixamos mencionadas nos reinados de D. Afonso III e D. Dinis

A/: + PETRVS DEI GRA REX . PORT . ET . ALG – Pedro, pela graça de Deus, Rei de Portugal e do Algarve – Figura do Rei, coroado, sentado no trono, com a espada na mão direita; a mão esquerda sobre a coxa, e do mesmo lado o escudo das quinas.

R/: + PER CRVCEM . TVAM . SAIVA . NOSXRE . REDEMIT
– PER CRVCEM SALVA NOS XPC REDEMPTOR – Pela tua Cruz, salva-nos Oh Christo redentor. – Cruz floreada dentro de um circulo ogive, orlado de pérolas.

Na sua crónica de D. Pedro I, Fernão Lopes (1735) relatou-nos o seguinte:

Este Rei Dom Pedro não mudou moeda por cobiça de temporal ganho, mas lavrou-se em seu tempo mui nobre moeda de ouro e prata sem outra mistura: a saber. Dobras de bom ouro fino, de tamanho peso como as dobras cruzadas, que faziam em Sevilha, que chamavam de Dona Branca; e estas dobras que el Rei Dom Pedro mandava lavrar, cinquenta delas faziam um marco; e doutras que lavravam mais pequenas, levava o marco cento, e de uma parte tinham quinas e da outra figura de homem com barbas nas faces e coroa na cabeça, sentado numa cadeira, com uma espada na mão direita e tinha letras em redor de latim que em linguagem diziam: Pedro Rei de Portugal e do Algarve; e da outra parte: Deus ajudai-me a fazei-me excelente vencedor sobre meus inimigos. E a maior dobra destas valia quatro libras e dois soldos, e a mais pequena, quarenta e um soldos.


E lavravam outra moeda de prata que chamavam torneses, que sessenta e cinco faziam um marco de liga e peso dos reais del-Rei Dom Pedro de Castela; e outro tornes faziam mais pequeno de que o marco levava cento e trinta, e de uma parte tinha as quinas, e da outra uma cabeça de homem com barbas grandes e coroa nela, e as letras de ambas as partes, eram tais como as das dobras, e valia o tornes sete soldos, e o pequeno três soldos e meio, e chamavam a estas moedas, dobra e meia dobra, e tornes e meio tornes.


E a outra moeda miúda eram os dinheiros alfonsins da liga, e valor, que fizera el-rei seu pai, e com estas moedas era o Reino rico, e abastado, e posto em grande abundância, e os Reinos faziam grande abundância, e tesouros do que lhes sobejava dos gastos de suas rendas; e para os fazer, e acrescentar em eles tinha esta maneira.

D. Pedro I (1357-1367) foi o monarca português quem primeiro mandou cunhar as dobras. Não obstante, estes numismas não são hoje do nosso conhecimento. Estes exemplares ficaram conhecidos por dobras e meias dobras portuguesas, para se distinguirem das variadas dobras estrangeiras que circularam em Portugal durante toda a primeira dinastia. (Folgosa, 1960)

De acordo com Marques (1982), as dobras e os torneses, e respectivos múltiplos terão existido de facto tendo sido “moedas pouco abundantes, mas de excelente qualidade”. Para o autor “seria estranho que o cronista (Fernão Lopes) se permitisse o devaneio de entrar em pormenores tipológicos e metrológicos sobre as espécies em causa sem estar de posse de elementos seguros a elas referentes …”. Afirma ainda que ”é legítimo pensar que as correspondentes emissões foram, de facto, muito escassas e que, por um acaso, improvável mas não impossível, nenhum exemplar chegou ao conhecimento dos numismatas modernos”.

Adianta ainda em nota de rodapé que “Os pormenores sobre a metrologia e os cursos legais das moedas de ouro e de prata de D. Pedro I são referidos por Fernão Lopes não apenas para as cabeças de série mas também para as fracções. Essa preocupação com o detalhe só é compreensível desde que se admita que o cronista teve acesso a fontes em que o assunto era versado com minúcia. Há, por conseguinte, todo um conjunto de dados circunstanciais que apontam para a existência real destas moedas hoje desconhecidas”.

Outra prova da existência destas moedas é o relato de Faria (1740, p. 171), “50 delas pesavam um marco e tanto pesam as dobras daquele tempo; que ainda hoje se conservam, de que eu tenho uma”. Lamentavelmente, este autor, não descreveu nem desenhou a moeda como fez com outras moedas portuguesas. Infelizmente a sua colecção teria desaparecido mais tarde, com o terramoto de 1755. (Vaz, 1960)

Contudo, Marques (1982), não concorda com esta interpretação e afirma que “Alguns autores referem que Severim de Faria teria afirmado possuir uma dobra de D. Pedro daí concluindo que pelo menos um exemplar dessa moeda ainda existiria no século XVII. No entanto, tal ideia resulta de uma interpretação abusiva de uma passagem das Notícias de Portugal em que o chantre de Évora diz textualmente: “…porém, se fizermos a conta conforme a valia do marco de ouro, que são trinta mil reis, tinha cada uma destas dobras seiscentos reis de peso, pois cinquenta delas pesavam um marco, e tanto pesam as dobras daquele tempo, que ainda hoje se conservam, de que eu tenho uma”. Assim, Severim Faria não disse possuir uma dobra de D. Pedro, mas sim uma dobra daquele tempo, das que ainda se conservam e que podia perfeitamente ser uma dobra coeva do referido monarca mas lavrada em Castela.

Não partilhamos das conclusões de Marques. A nossa interpretação é a de que Faria (1740) ao descrever a Dobra de D. Pedro I transmite-nos, que aquelas moedas pelo seu elevado peso e valor em ouro, (“tinha cada uma destas Dobras 600 réis de peso … e tanto pesam as Dobras daquele tempo, que ainda hoje eu tenho uma”) resistiram ao passar dos tempos e ele era possuidor de uma daquelas dobras e não de uma qualquer outra dobra espanhola contemporânea, conforme afirma Marques. Aliás, é uma constante ao longo das Notícias de Portugal o autor afirmar possuir os mais variados exemplares de moedas de que ele fala e descreve pormenorizadamente. Não nos restam dúvidas de que Severino de Faria era detentor de uma dobra de D. Pedro I.


Torneses

Existe pouca informação sobre os torneses. Ao que parece, este nome foi dado por D. Pedro I a estas moedas à semelhança de uma moeda francesa, que então corria por toda a Europa, e se lavrava em Tours, Cidade de França, e por isso se chamavam soldos Turonenses. (Faria, 1740)

Segundo Fernão Lopes “… lavravam outra moeda de prata que chamavam torneses, que sessenta e cinco faziam um marco de liga e peso dos reais del-Rei Dom Pedro de Castela; e outro tornes faziam mais pequeno de que o marco levava cento e trinta, e de uma parte tinha as quinas, e da outra uma cabeça de homem com barbas grandes e coroa nela, e as letras de ambas as partes, eram tais como as das dobras, e valia o tornes sete soldos, e o pequeno três soldos e meio, e chamavam a estas moedas, dobra e meia dobra, e tornes e meio tornes.

Aragão (1875), não concorda com os pesos atribuídos por Fernão Lopes a estas moedas e afirma que “Os reaes de prata de Castella eram de 11 dinheiros e 4 grãos, fazendo 70 um marco, e pesando cada peça 65 58/70 grãos. Fernão Lopes dá aos tornezes de Portugal a mesma liga e peso, mas diz entrarem 65 em marco, devendo assim pesar cada um 70 58/65 grãos, o que parece ser engano no número de peças que diz entrarem no marco, pois em 15 reaes de prata de D. Pedro I de Castella, que verificámos, achámos em todos para menos de 65 grãos, e mr. Heïss também não encontrou exemplar algum com o peso superior a 3.483 centigramas”.

O desaparecimento das dobras

Refere Marques (1982) que as emissões destas moedas teriam sido “pouco abundantes, mas de excelente qualidade” e que”é legítimo pensar que as correspondentes emissões foram, de facto, muito escassas e que, por um acaso, improvável mas não impossível, nenhum exemplar chegou ao conhecimento dos numismatas modernos”. Também Fernão Lopes diz que D. Pedro I fez moeda “muito boa, de ouro e de prata, como dissemos; mas foi em pouca quantidade."

Apesar do seu número reduzido, certamente terão ficado muitas destas moedas no tesouro nacional porque o “… rei D. Fernando começou a reinar o mais rico rei que em Portugal foi até ao seu tempo, cá ele achou grandes tesouros que seu pai e avós guardaram, em guisa que somente na torre do Haver, do castelo de Lisboa, foram achadas oitocentas mil peças de ouro e quatrocentos mil marcos de prata, afora moedas e outras coisas de grande valor que aí estavam, e mais todo o outro haver, em grande quantidade, que em certos lugares pelo reino era posto.

Mas, com a “… grande despesa da guerra começada assim por mar como por terra, tudo se gastava que não ficava nenhuma coisa para depósito, e mais todo o ouro e prata que ele achara entesourado; assim que ele danou muito sua terra com as mudanças das moedas e perdeu quanto ganhou nelas, e tornaram-se os lugares a Castela cujos eram, e ele ficou sem nenhuma honra."

"Dois grandes males recebeu o reino por esta guerra que el-rei D. Fernando com el-rei D. Henrique começou, de que os povos depois tiveram grande sentido: o primeiro, gastamento, em grande quantidade, de ouro e prata que antigamente pelos reis fora entesourado, do qual por azo dela, foi a Aragão levada muito grande soma de ouro, como já tendes ouvido; o segundo, isso mesmo foi gasto de muita multidão de prata, por a mudança das moedas que el-rei fez, por satisfazer ás grandes despesas dos soldos e pagas das coisas necessárias à guerra, por cujo azo montaram as coisas depois de tamanhos desarrazoados preços que conveio a el-rei e foi forçado de por sobre todas almotaçaria, e mudar o valor que à primeira puzera em tais moedas." Lopes (1895)

Por tudo isto, é perfeitamente natural que poucos exemplares tenham escapado à fúria despesista de D. Fernando I. Mas, mesmos esses que poderão ter sobrevivido, quem sabe, talvez nas mãos de particulares, portugueses ou estrangeiros, também não lograram chegar aos nossos dias.


Bibliografia

ARAGÃO, Augusto Carlos Teixeira de. Descrição Geral e Histórica das Moedas Cunhadas em Nome dos Reis, Regentes e Governadores de Portugal, Tomo. I. Lisboa. Imprensa Nacional, 1875

FARIA, Manoel Severim de, Notícias de Portugal, Discurso IV, § 25, Lisboa Occidental, Oficina de António Isidoro da Fonseca, 1740

FOLGOSA, J. M., Dicionário de Numismática, Livraria Fernando Machado, Porto, 1960

GOMES, Alberto, Moedas Portuguesas e do Território Português antes da Fundação da Nacionalidade, Associação Numismática de Portugal, 3.ª Edição, Lisboa, 2001

LOPES, Fernão, Crónica del-rei D. Pedro I, Lisboa Occidental, Oficina de Manoel Fernandes Costa, 1735 – Biblioteca Nacional em http://purl.pt/422

LOPES, Fernão, Crónica de el-rei D. Pedro I, Escriptorio, Lisboa, 1895 – Projecto Gutenberg em http://www.gutenberg.org/ebooks/16633

LOPES, Fernão, Chrónica de el-rei D. Fernando, Escriptorio, Lisboa, 1895 – Biblioteca Nacional em http://purl.pt/419

MARQUES, Mário Gomes. Numária Medieval Portuguesa, p.257, Nvmisma 177-179, 1982, Julho-Dezembro

VAZ, J. Ferraro, Moedas Medievais de Portugal – D. Pedro I, Nvmisma 147-149

VAZ, J. Ferraro, Nvmária Medieval Portuguesa, Tomo I, pp. 83-84, Lisboa, 1960

Imagem das moedas de Toro e de Aragão: VAZ, J. Ferraro, Moedas Medievais de Portugal – D. Pedro I, Nvmisma 147-149

Subscribe | More

Sem comentários:

Enviar um comentário