terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Moedas desaparecidas - Escudo de D. Duarte


Valor: 140 reais brancos
Metal: Ouro - 18 quilates - 750 º/oo
Diâmetro: 31 mm
Peso: 4,59 g
Cunhagem: reinados de D. Duarte e D. Afonso V
N.º de exemplares conhecidos: 0 (zero)

A/: + DOMINI EDUARDUS RX PORTUGALIE – no campo, dentro de oito arcos, um E coroado e, à direita, a marca L da Casa da Moeda de Lisboa)
R/: + IESUS CRISTE SALVA NOS CRUS – no centro, dentro de oito arcos, o escudo real coroado.



O escudo teve a sua origem em França onde era designado por écu d’or. Esta moeda, a primeira moeda medieval francesa de ouro, foi cunhada em 1266 pelo rei Luís IX (S. Luís, 1226-1270) e tinha no anverso o escudo heráldico do reino de França, de formato gótico e sem coroa, com seis flores-de-lis no campo, dentro de epiciclóide duplo octobolado.

Deste escudo de armas – por sua vez nascido do escudo das armas dos guerreiros e cavaleiros, onde desde a Idade Média costumavam ser pintados os símbolos de identificação pessoal, de família ou de linhagem – derivou o nome da moeda, dénier d’or à l’écu (dinheiro de ouro com escudo) ou simplesmente écu d’or, que se popularizou desde o reinado de Filipe VI de Valois (1328-1350), tendo sido amoedado com inúmeras variantes até 1642. Destas, a mais interessante é o écu d’or à la couronne (escudo de ouro com coroa), cunhado desde o reinado de Carlos VI (1380-1422) e que apresentava o escudo gótico das armas francesas, coroado, com três flores-de-lis no campo.

Tal como outras moedas estrangeiras, também os escudos de ouro franceses circularam amplamente em Portugal e as suas gravuras influenciaram bastante os desenhos das novas moedas de ouro portuguesas criadas no reinado de D. Fernando I (1367-1383), tendo sido copiadas e adaptadas à heráldica nacional.

Em 1436, D. Duarte manda cunhar as novas moedas de prata, com a designação de leais, no valor de 10 reais brancos e as novas moedas de ouro de 120 reais brancos, as quais têm as mesmas características tipológicas e inovadoras para a época: apresentam no anverso, na orla, o nome e os títulos do rei e, pela primeira vez, o escudo das armas completo do rei de Portugal (escudo das quinas com bordadura de castelos carregada pelas quatro pontas da cruz da Ordem Militar de Aviz), coroado, imitando os escudos franceses coroados seus contemporâneos, recebendo por isso o nome de escudos de ouro.

A duração desta amoedação não foi longa, terminando em 1457, quando D. Afonso V iniciou a cunhagem dos cruzados (ouro 989,6 º/oo, peso 3,548 g, dia. 22 mm), uma moeda que viria a ter um enorme sucesso internacional.

É em 1435, no reinado de D. Duarte (1433-1438) que se regressa à amoedação de ouro, o que não sucedia desde o reinado de D. Fernando I (1367-1383), há mais de 50 anos. Nos anos de 1435 e 1436 foi publicada vária legislação e deu-se início a uma reforma monetária. Foi criado o real branco como nova unidade de conta e cunhadas novas moedas de ouro, prata e de cobre, fixou-se a paridade entre a moeda antiga e a nova, no cálculo de dívidas, rendas, contratos e outros pagamentos devidos e, ainda, foi estabelecida a equivalência entre o antigo sistema de conta, por libras, soldos e dinheiros, pelo novo sistema, de reais brancos.

A primeira moeda portuguesa de escudo foi cunhada no reinado de D. Duarte. Esta moeda de ouro de 18 quilates (750 º/oo), valia 140 réis, tinha um diâmetro de 31 mm e pesava 92 8/50 grãos, ou seja, 4,59 g. Entravam 50 em marco. O seu filho, D. Afonso V (1438-1481), também cunha escudos de ouro, com as mesmas características.

Foi uma moeda com muita liga e por isso não era bem aceite pelos estrangeiros, razão pela qual D. Manuel I (1495-1521) a mandou recolher e fundir. Esta será a causa principal da sua raridade e da não existência de exemplares conhecidos nos dias de hoje.

Segundo Gomes (1992), no passado, um exemplar tinha sobrevivido. Em 1738 essa moeda encontrava-se na colecção dos herdeiros do Marquês de Abrantes, D. Rodrigo Ennes de Sá e a sua gravura estava reproduzida na História Genealógica de Caetano de Sousa (tomo IV, estampa D n.º 24). Um século mais tarde, existia um exemplar desta moeda na antiga colecção da Biblioteca Nacional de Lisboa, que segundo Aragão terá sido roubado em 1836: “… levaram todas as moedas e medalhas de oiro, que se achavam reunidas n’um saco, e ahi foram muitas peças rarissimas, taes como o escudo de D. Duarte, de que se conhece um outro exemplar no estrangeiro”. (Aragão. 1875, p.99) Este exemplar a que este autor se refere estaria numa colecção em Copenhague.

Por outro lado, Marques (1982) relata que “não se conhece qualquer exemplar do escudo de D. Duarte, referindo que todos os desenhos usados, em tratados e catálogos, para ilustrar esta espécie não passam de reproduções, mais ou menos modificadas, de uma gravura setecentista, com o mesmo fim incluída, por D. António Caetano de Sousa, no quarto volume da sua História Genealógica.

Esta gravura foi mandada fazer pelo Marquês de Abrantes, que possuía uma das maiores colecções do seu tempo. Contudo, subsiste ainda a dúvida se esta gravura se baseou num exemplar, hoje desaparecido, da colecção do marquês e se esse exemplar não seria o mesmo que Aragão disse ter sido roubado, em 1836, da Biblioteca Nacional de Lisboa. Diz ainda Aragão que existiria em Copenhague, um exemplar do escudo, mas “acontece que todas as diligências efectuadas no sentido da sua localização resultaram infrutíferas.” (Marques, 1982)

No § 10.º do documento n.º 32 refere-se em estilo de representação: “… E isto por estas três maneiras a saber a primeira é que não mandeis dar o escudo de ouro menos do que a dobra de banda castelhana vale, pois que no peso e ouro é tão bom como a dobra, não fazendo mudança em estas moedas, a saber em escudo e meios escudos os quais se lavrem avondo”. (Aragão, 1875)

A hipótese suscitada por Aragão com base num documento da época (Remessa de Santarém n.º 16), de que teriam sido cunhadas moedas de ouro de meio escudo em simultâneo com as moedas de escudo não pode ser interpretada senão como “simples sugestão, feita ao monarca, para o lançamento do meio escudo e não como garantia bastante da sua existência.” Marques (1982)

O escudo de D. Duarte foi uma moeda que muito provavelmente existiu e o único exemplar conhecido teria sido roubado da Biblioteca Nacional em 1836 (Aragão, 1875). Copiado dos écus d’or franceses, esta moeda tornou-se uma raridade tal, que não se conhecem hoje nenhuns exemplares. Isso deveu-se, certamente, à recolha ordenada por D. Manuel I (1495-1521) por ser uma moeda de ouro baixo e de difícil aceitação no estrangeiro. A existência do meio escudo não está com-provada. Não existe nenhuma referência ou documento que permita afirmar ou mesmo supor que alguma vez tivessem sido cunhados.

Os diferentes autores ainda não estão de acordo quanto à data inicial da sua cunhagem nem quanto o valor do escudo. Segundo Gomes (1992) seria 1435, quanto a Trigueiros (2003) seria 1436. O certo é que no período entre 1435 e 1436 é que foi publicada importante legislação monetária. Por conseguinte, o escudo seria cunhado neste período. Quanto ao valor, são atribuídos 90 réis (Sousa, 2007, p.185), 120 reais brancos (Trigueiros, 2003), 130 reais brancos (Marques, 1982, referindo-se a um documento da Chancelaria de D. Duarte [1]) e 140 reais (Aragão, 1875, citando João Bell).

O único exemplar conhecido desapareceu há mais de 170 anos e até à data não voltou a haver notícia da sua existência. Quem sabe, talvez um dia, esta moeda apareça por aí num leilão ou novos exemplares sejam descobertos.


[1] Ordenação sobre a compra e venda do ouro e da prata e o lavramento de moeda com esses metais, Arquivo Nacional Torre do Tombo, Chancelaria de D. Duarte, liv. 2, n.º 19


Bibliografia

ARAGÃO, Augusto Carlos Teixeira de. Descrição Geral e Histórica das Moedas Cunhadas em Nome dos Reis, Regentes e Governadores de Portugal, Tomo. I. Lisboa. Imprensa Nacional, 1875

FERNANDES, Manuel Bernardo Lopes. Memória das Moedas Correntes em Portugal, desde o tempo dos romanos, até o anno de 1856. Lisboa. Tipografia da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1856

GOMES, Alberto; TRIGUEIROS, António Miguel; Moedas Portuguesas na Época dos Descobrimentos 1385-1580, p.5, Lisboa, Edição de autor, 1992

MARQUES, Mário Gomes. Numária Medieval Portuguesa, p.227-228, Nvmisma 177-179, 1982, Julho-Dezembro

PINA, Rui de. Chronica de El-Rei D. Duarte, cap. VII, p.98, Porto, Renascença Portuguesa.

SOUSA, António Caetano de. (2007). História da Genealógica da casa Real Portuguesa, Tomo IV, QuidNivi / Público / Academia Portuguesa de História, 1914

TRIGUEIROS, António Miguel. A Grande História do Escudo Português, pp. 45-47, Colecções Philae. Lisboa, 2003

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