quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Moedas desaparecidas - Português de prata de D. Manuel I

"E no ano de 1504 mandou lavrar os Portugueses de prata de valor cada um de quatrocentos reais com os mesmos cunhos, divisas, e letreiros dos Portugueses de ouro, e destes de prata mandou fazer meios, e quartos." (Góis, 1749)

Ano: 1504
Designação: português de prata
Valor: 400 reais ou 4 tostões
Metal: prata de 11 dinheiros - 916,6 º/oo
Peso: 808,42 grãos – 40,26 g
Diâmetro: 36-38 mm (Gomes, 1992)

O português de prata (400 reais) faz parte de uma série onde se incluem o meio português de prata (200 reais) e o quarto de português de prata (100 reais). Sousa (1947, pp.282,285) refere que, em 1503, o valor do marco de prata era de 2.280 reais. Deste modo, considerando que naquele tempo as moedas valem o que pesam, no caso do português entravam 5,7 peças em marco (2.280/400=5,7 peças) e pesa cada peça 202,11 grãos (229.50 / 0,0498 = 4.608 / 5,7 = 808,42 grãos), ou seja, um peso teórico de cerca de 40,26 g

Diz o cronista que o português, o meio português e os quartos de português de prata teria os mesmos cunhos, divisas e letreiros do português de ouro. Aqui, convém recordar a advertência de Aragão (1875) "... devemos ter em conta que nestes assuntos os nossos cronistas estão sempre a mostrar pouco escrúpulo com que escreviam." Como se constata, estas moedas não têm as mesmas legendas do português de ouro.

O português de prata (40,26 g) seria mais pesado do que o português de ouro (35,5 g) e certamente teria um módulo maior (Gomes, 1992, chega-lhe a atribuir um diâmetro de 40 mm, contra os 35 mm do de ouro). De facto, a moeda de prata até poderia ser uma cópia fiel da de ouro “com os mesmos cunhos, divisas, e letreiros”, mas seria um facto inédito. Não me recordo haver na numária portuguesa da monarquia qualquer moeda de prata igual a uma de ouro, literalmente com os mesmos desenhos e legendas – não faria qualquer sentido ter duas moedas iguais de metais diferentes. Por outro lado, Góis (1749) dizia-nos que todas as moedas de prata desta série seriam iguais aos portugueses de ouro, o que comprovadamente, não é verdade. Sendo uma série cunhada no mesmo ano (1504) e que acredito provir da mesma lei, é mais provável que os desenhos e as legendas do português de prata sejam idênticos aos do meio e quarto de português do que à sua homónima de ouro.

"Prata de 11 dinheiros, valia 400 réis, devia pesar cada um 787 9/13 grãos como se acha nas Tábuas de João Bell, valendo o marco de prata 2.340. Damião de Góis declara que foram lavradas em 1504, com os mesmos cunhos, divisas e letreiros dos Portugueses de ouro".(Fernandes, 1856, p.114). De notar que existe discrepância entre o peso atribuído e o preço do marco e os que se encontram calculados acima.

Aragão (1875) não se refere ao português de prata (com excepção do cálculo do seu peso teórico, por analogia com a restante série), não apresenta qualquer imagem, nem refere a sua existência. De igual modo, Vaz (1969 e 1973), também não refere uma única linha a esta moeda. Por seu lado, Gomes (1992) diz-nos que o português de prata devia ser uma moeda grossa (5 mm de espessura) e pesada (cerca de 40 g) pelo que, era incómoda para a circulação corrente. Tinha um valor muito próximo do cruzado (390 reais em 1496; 400 reais desde 1517), o que tornaria impeditivo a sua circulação efectiva.

Duas hipóteses se podem colocar para justificar que esta moeda não tenha chegado até aos nossos dias. Ou não chegou a ser cunhada ou, pelo seu excessivo tamanho e peso não era adequada á circulação corrente que, conjugado com o facto do seu valor (400 reais) ser superior ao do cruzado (390 reais), foi retirada precocemente de circulação. Aliás, nunca se viu uma moeda de prata ter um valor superior a uma de ouro o que constituiria, também, outro facto inédito. Se ponderarmos bem nestes factores, concluímos que esta moeda não deverá ter chegado a ser lavrada. A sua criação não passou de um erro, que alguém terá corrigido a tempo ou mesmo, uma mais do que provável má interpretação do cronista, à semelhança do fez com as legendas e desenhos de várias moedas deste reinado.

Bibliografia

ARAGÃO, Augusto Carlos Teixeira de. Descrição Geral e Histórica das Moedas Cunhadas em Nome dos Reis, Regentes e Governadores de Portugal, Tomo. I. Lisboa. Imprensa Nacional, 1875

COUVREUR, Raul da Costa, Moedas de D. Manuel I - O meio-portugues de prata, Separata da Revista Brotéria, Vol. XXXV, Fasc. 2-3, Agosto-Setembro, 1942

FERNANDES, Manuel Bernardo Lopes, Memória das Moedas Correntes em Portugal desde o tempo dos Romanos, até ao ano de 1856, Academia Real das Ciências de Lisboa, Lisboa, 1856

GOIS, Damião de, Crónica de dom Manuel, Off. de Miguel Manescal da Costa, Lisboa, 1749

GOMES, Alberto et António Miguel Trigueiros, Moedas portuguesas na época dos descobrimentos 1385-1580, A. Gomes, Lisboa, 1992

SOUSA, D. António Caetano de, História Genealógica da Casa Real Portugueza, Tomo IV, Atlântida – Livraria Editora, Lda, Coimbra, 1947

VAZ, J. Ferraro, Livro das Moedas de Portugal, Braga, 1969

VAZ, J. Ferraro, Livro das Moedas de Portugal, Braga, 1973

Subscribe | More

Sem comentários:

Enviar um comentário